Uma das mais fecundas teorias sobre a classificação das línguas indígenas amazônicas, proposta por Aryon Rodrigues (1985), é a hipótese de relacionamento genético entre três dos maiores agrupamentos lingüísticos da América do Sul: a família Karib e os troncos Macro-Jê e Tupí. Em comparação com a hipótese alternativa, de Greenberg, que propunha uma relação entre Macro-Jê, Pano e Karíb, a hipótese de Rodrigues conta certamente com melhores evidências; como afirma Greg Urban (1992:94), "[O]s dados de que dispomos atualmente são sem dúvida muito mais sugestivos do que tudo o que já se tinha visto."
No entanto, as evidências de parentesco entre Tupí e Macro-Jê levantadas por Rodrigues são muito menos numerosas que aquelas encontradas para o relacionamento Karíb/Tupí. Caso o relacionamento entre os três venha a ser confirmado, é mais provável que os Tupí e Karíb tenham compartilhado um período de unidade, após o desligamento do Macro-Jê (como propõe Urban). Além da pouca quantidade, é provável que alguns dos possíveis candidatos a cognatos propostos por Rodrigues devam ser descartados. É o caso, particularmente, daqueles envolvendo uma suposta correspondência entre Kaingáng (Jê) /f/ e Tupí *p. Como o Kaingáng /f/ deriva da consoante *s do Proto-Jê, a possibilidade de que tais formas sejam cognatos verdadeiros se torna praticamente nula. Este é um dos riscos quando a comparação é feita entre línguas isoladas, sem se levar em consideração correspondências mais amplas (no nível de família).
As semelhanças detectadas tornam-se mais sólidas quando, em vez de línguas isoladas, podemos comparar proto-línguas. Irvine Davis, responsável pela primeira reconstrução do Proto-Jê (1966), já havia apontado alguns possíveis cognatos antes (Davis 1968). Dentre eles, o mais notável é a palavra para 'marido', reconstruível para o Proto-Jê e o Proto-Tupí-Guaraní. Como se trata de termo cultural, a possibilidade de empréstimo não pode ser de todo descartada. O mesmo pode ser dito a respeito de um outro possível cognato: Proto-Jê *paʔi 'chefe', Tupinambá paí 'sacerdote (tb. 'maioral, líder').
À medida que nosso conhecimento comparativo das línguas Jê e Macro-Jê progride, outras semelhanças notáveis, regulares, e em áreas menos suscetíveis a empréstimo começam a surgir. É o caso das quatro formas seguintes (para representar a família Tupí-Guaraní, uso dados do Tupinambá; estas formas são, no entanto, certamente reconstruíveis para o Proto-Tupí-Guaraní, ocorrendo em diversos subgrupos dentro da família; as formas Proto-Jê foram reconstruídas por mim mesmo):
Tupí r-en ~ r-in :: Proto-Jê *j-ĩ 'sentar-se'
Tupí ʔam :: Proto-Jê *j-am 'levantar-se'
Tupí r-ub :: Proto-Jê *j-um 'pai'
Tupí r-er :: Proto-Jê *j-inji 'nome'
É importante ressaltar que todas as formas acima têm cognatos em mais de uma família do tronco Macro-Jê, mesmo as mais diversas (por exemplo, a forma para 'nome' tem cognatos em Karajá, Ofayé, Boróro, Karirí e Chiquitano). Particularmente notável aqui é a aparente correspondência entre o prefixo de ligação r- do Tupinambá e o prefixo de ligação *j- do Proto-Jê. Quer se creia ou não na existência de "prefixos relacionais" (assunto de debate entre os estudiosos de Tupí e Macro-Jê -- e já propostos por Aryon Rodrigues como evidências de parentesco), as correspondências fonológicas já são por si sós bastante sugestivas. Aos quatro itens acima, talvez devam acrescentar-se os dois seguintes, em que as semelhanças superficiais são menos óbvias, mas as correspondências fonológicas parecem ser corroboradas pela circunstância de que um par homófono em Jê corresponde a um par quase homófono em Tupí-Guaraní:
Tupí r-ãi :: Proto-Jê *j-ua 'dente'
Tupí r-ai :: Proto-Jê *j-ua 'azedo'
Tais semelhanças, somadas àquelas sugeridas por outros autores (as que sobrevivam a uma análise mais detida), corroboram, a meu ver, a plausibilidade da hipótese de relacionamento genético entre Tupí e Macro-Jê -- mesmo que estejam longe de constituir-se em prova cabal.
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