O Internet Archive (http://www.archive.org/index.php) é uma biblioteca digital de websites e outros itens culturais (livros, periódicos, música, filmes etc.) que oferece acesso irrestrito ao seu acervo. O Internet Archive está à frente da Open Content Alliance ( http://www.opencontentalliance.org/), que inclui 80 bibliotecas americanas e canadenses interessadas em digitalizar seus acervos e torná-los disponíveis livremente na internet. Indivíduos também podem colaborar com o projeto, acrescentando itens ao acervo.
Embora ainda haja poucos itens relativos aos povos indígenas da América do Sul, há algumas raridades dignas de nota:
The Brasilian language and its agglutination (1883)
Cavalcanti, Amaro, 1849-1922
http://www.archive.org/details/brasilianlanguag00cavauoft
The social bees of Brazil and their Tupi names (n.d.)
Ihering, H. von (Hermann), 1850-1930
http://www.archive.org/details/socialbeesofbraz00iherrich
Relacion historial de las misiones de indios chiquitos que en el Paraguay tienen los padres de la Compañia de Jesús (1895)
Fernández, Juan Patricio, 1661-1733
vol. 1: http://www.archive.org/details/relaciondelas01fernrich
vol. 2: http://www.archive.org/details/relaciondelas02fernrich
Além disso, há clássicos que, embora não digam respeito diretamente a línguas indígenas sul-americanas, são sempre relevantes para a nossa área, incluindo obras de autores como Franz Boas e Edward Sapir:
Handbook of American Indian languages (1922-)
Boas, Franz, 1858-1942
http://www.archive.org/details/handbookofameric00boasrich
Language: An Introduction to the Study of Speech
Sapir, Edward, 1884-1939
http://www.archive.org/details/language12629gut
Saturday, October 27, 2007
Recursos online: Internet Archive
Posted by Eduardo Rivail Ribeiro at 11:35 AM 0 comments
Novidades na Biblioteca: Baldus (1951), Ihering (1912)
Novos artigos
Os seguintes artigos foram recentemente incluídos na Biblioteca Digital Curt Nimuendaju:
Baldus, Herbert. 1951. Kanaxivue. Cultura II, n. 4, p. 39-50. Rio de Janeiro.
http://biblio.etnolinguistica.org/baldus_1951_kanaxivue
von Ihering, Hermann. 1912. A ethnographia do Brazil meridional. In Actas del Congreso Internacional de Americanistas, p. 250-263. Buenos Aires.
http://biblio.etnolinguistica.org/ihering_1912_a_ethnographia
Comentários e "classificados"
O sítio da Biblioteca Digital Curt Nimuendaju está agora mais interativo. Qualquer usuário pode se tornar um membro (http://biblio.etnolinguistica.org/membros ) do sítio e, assim, adicionar informações (comentários, resenhas etc.) às entradas bibliográficas. Além disso, membros do sítio podem publicar, em nossos "classificados", pedidos de títulos raros que gostariam de obter (http://biblio.etnolinguistica.org/forum/c-17988/wishlist).
Agradecimentos
A Biblioteca Digital Curt Nimuendaju agradece as valiosas colaborações dos colegas J. Pedro Viegas Barros (CONICET, Argentina) e Lincoln Almir Amarante Ribeiro (UEG, Anápolis).
Posted by Eduardo Rivail Ribeiro at 11:34 AM 0 comments
Friday, October 12, 2007
"Palavras muito usadas não têm som alterado" [sic]
Este é o título de uma nota publicada ontem no Estadão (divulgada no Jornal da Ciência). A começar pelo título, a matéria dá a parecer que um estudo publicado agora na revista Nature teria concluído que "quanto mais uma palavra é usada, menos o som que a representa muda". Para qualquer um que aprendeu na escola que vossa mercê veio dar no português você (e, no português coloquial, simplesmente cê), o texto do Estadão seria de encabular.
Lendo o resto da nota, porém, percebe-se que parece haver uma confusão entre a alteração da forma fonológica de uma palavra e a sua substituição por outra. Palavras de alta freqüência tendem a ser substituídas com menos freqüência. Mas mudam sim, e muito -- a ponto de se tornarem irreconhecíveis. Pode-se dizer, aliás, que quanto mais uma palavra é usada, mais sujeita é a simplificação (ou erosão) fonológica, como ilustrado pelo exemplo mencionado acima (vossa mercê > você > cê).
Um exemplo clássico nos estudos do Indo-Europeu (para citar uma das palavras mencionadas na matéria) é a palavra armênia para "dois", erku, que é -- ainda que não pareça -- cognata com duo em latim e, claro, dois em português (vide Antoine Meillet, The Comparative Method in Historical Linguistics, 1967, p. 18). E, no tronco Macro-Jê, um morfema derivacional extremamente produtivo, que deriva nomes "de agente", é preservado em pelo menos duas famílias (Jê e Karajá), mas as semelhanças fonológicas são, à primeira vista, difíceis de se detectar (Karajá -du, Xerente -kwa).
Se isto é tudo, o estudo, então, não chega a nenhuma novidade bombástica. A idéia de que há partes do vocabulário que são mais estáveis (ou seja, são substituídas menos rapidamente que outras) é a razão que subjaz, entre outras, à lista de Swadesh, na qual muitos se baseiam para diagnósticos (preliminares que sejam) de parentesco e de profundidade temporal de famílias lingüísticas.
"Milestone"
An Associated Press article about this study doesn't do much better in terms of explaining the findings, and it seems to exaggerate their significance even more:
"Scientists have uncovered what might be called the law of language evolution: the more a word is used, the less likely it is to change over time. [...] [I]f [the study] also holds for other languages, it would be a milestone in understanding one of humanity's defining attributes."
Milestone? Well, for linguists, this seems to have been textbook wisdom for a while now. As a (former) journalist, I understand the media's attempts to make Sci & Tech news more exciting to the general public. But, as a linguist, I find the truth of the facts exciting enough.
Posted by Eduardo Rivail Ribeiro at 3:04 PM
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Tuesday, October 9, 2007
'The season of hunger': a note on historical semantics
As I mention in the "About" page, I'm currently working on a reconstruction of Proto-Jê, the common ancestor of the languages grouped under the Jê family (numbering around ten). Although similarities between the members of the family are generally easy to spot, a few cases prove a little more challenging (both phonologically and semantically).
One of the recently reconstructed Proto-Jê words, *prãm 'hunger', is inherited in Southern Jê (Kaingáng and Xokléng languages; the latter is now commonly referred to as Laklãnõ) with the meaning 'summer' (see Wiesemann's dictionary, for Kaingáng, and Bublitz's 1994 master's thesis, p. 47, for Laklãnõ). Although it is not hard to think of a plausible semantic connection between both concepts, some sort of independent confirmation is always welcome. In well-studied families, such as Indo-European, seemingly unlikely semantic connections can ultimately be proven to be true thanks to the existence of written documentation (in addition to the fact that the phonological correspondences are better established, etc.). In lesser-known families or stocks (such as Jê and Macro-Jê), such corroboration is much harder to come by. One has to look somewhere else for corroborating evidence.
Sometimes, one or more related languages provide the "missing (semantic) link". For instance, the likely cognate of the Proto-Jê word *kra 'offspring' in Karajá is ra 'nephew', a possibility that went unnoticed by Davis (1968, 'Some Macro-Jê relationships,' IJAL). The semantic connection between both is far from obscure. But, if one is still unsure, the fact that the cognate in Xavánte (Central Jê) means both "offspring" and "nephew" makes the plausibility of the hypothesis even more obvious. (By the way, the likely Karajá cognate for Proto-Jê *prãm is rǝma 'hunger', illustrating the same process of cluster simplification seen with ra 'nephew'.)
Sometimes the semantic change under consideration is documented elsewhere (a fact that corroborates the plausibility of the hypothesis). In our case in point ("hunger" > "summer"), for instance, there is in the Mataco family a root that shows a similar semantic scope, in which a season comes to be associated with 'hunger': "invierno, época de hambre" (from Verónica Grondona's handout "Algunos cognados en las lenguas dela familia mataca", presented at the 52nd International Congress of Americanists, Seville, 2006). Other pieces of evidence which may shed light on the possible historical circumstances underlying the semantic change may be found in the ethnographic literature. In our case, the following passage, from Jules Henry's Jungle People (1964, p. 6), on the Xokléng, may be elucidating:
"The Kaingáng [Xokléng] are hungry in winter and early spring. Then the tracks of animals are hard to interpret and the tapir can run far and fast, for it is no longer burdened with its young and the forest is cool. To the Kaingáng the tapir is not only the most important food, it is the very symbol of food. When they have no tapir meat there is very little meat of any kind, for the tapir is most plentiful when the wild fruits and nuts are ripe, and when these are gone the monkeys and birds, the rodents and pigs, the deer and the tapir that have fed on them for months, grow scarce or vanish altogether.[...] Summer, with its warmth, its dryness, and its plenty, brings comfort at last to these people [...]."
The only apparent problem with this theory is how to reconcile the fact that (in the available literature)
Águas de março nem sempre fecham o verão. In rural Brazil (at least Central Brazil, as far as I can tell), 'summer' is the lack of rain; 'winter' is the rainy season. The farmer and the weather person (as well as Tom Jobim!) may be talking about very different things with the "same" words.
Update (October 10, 2007, morning)
In response to a query I sent to the Etnolingüística list, Wilmar D'Angelis (UNICAMP), an expert on Kaingáng language and culture, provided me with very interesting insights into this issue (which prompted the corrections above, in
An afterthought (October 10, 2007, evening)
D'Angelis suggests that the fact that both "hunger" and "year" occur one after the other in Wiesemann's dictionary is in itself a good reason to consider them as (etymologically) connected. I guess it is quite the contrary: the fact that the author lists them in two different entries suggests that she saw them as a case of homonymy, not polysemy. This is one of those cases where the border between both categories is blurred -- and that's exactly what makes the kind of ethnographic data mentioned by Jules Henry (and D'Angelis himself) so important.
Monday, October 8, 2007
Oxalá: an endangered word?
Desde que comecei a aprender sobre a origem das palavras (no antigo "ginásio", se me lembro bem), uma palavrinha que vem sempre me intrigando é oxalá, no sentido de 'tomara que'. O significado original em árabe, dizia-me a professora, era algo como "queira Alá". Para que não me falhe a memória, vou citar o dicionário -- e, como não tenho aqui comigo o Aurélio (ou qualquer outro dicionário decente de português), contento-me com o verbete do dicionário da Real Academia Española para o equivalente em espanhol:
¡ojalá! (Del ár. wa-ša 'Allah, y quiera Dios.) interj. con que se denota vivo deseo de que suceda una cosa.O que me intrigava, e me intriga, é o seguinte. Como pôde esta palavra, originalmente muçulmana, resistir à Reconquista, sobreviver a Inquisição e até mesmo -- feito ainda mais heróico -- meter-se na nossa Bíblia? Sim, porque, ao contrário do espanhol, em português (brasileiro, pelo menos), tal palavra é puramente literária. E, entre os poucos textos acessíveis a um menino de ginásio no interior de Goiás, a Bíblia era certamente a que fazia uso mais abundante desta palavra.
Há uns poucos anos, porém, comecei a desconfiar que haveria uma conspiração contra esta palavrinha. Por exemplo, na última missa a que assisti (e isso faz um bom tempo), percebi que o padre sistematicamente a evitava, mesmo quando a dita cuja estava impressa no roteiro da missa. Agora minhas suspeitas se confirmam. Fuçando na internet, descobri um sítio que permite comparar diferentes versões da Bíblia. Fazendo isto, percebi que a versão atual do texto protestante (de João Ferreira de Almeida) aboliu por completo o uso de oxalá, muito comum em versões anteriores. Como ilustração, basta comparar duas versões de Salmos 139:19:
Oxalá que matasses o perverso, ó Deus, e que os homens sanguinários se apartassem de mim. [1967]
Ó Deus, tu matarás decerto o ímpio; apartai-vos portanto de mim, homens de sangue. [1994]Em princípio, pareceu-me que oxalá seria apenas mais uma vítima do modernismo lingüístico. Mas, notando que palavras ainda mais esdrúxulas e raras sobrevivem no texto atual (galardão...), desconfio que a razão seja mais sombria: evitar qualquer alusão, acidental que seja, a Oxalá, o orixá que, na umbanda, é "associado à criação do mundo e da espécie humana" (segundo a Wikipédia). Eu, que tenho uma tremenda simpatia por palavras (como outras tradições humanas) ameaçadas pelo preconceito e a ignorância, torço pela sobrevivência desta heroína. Queira Oxalá (e Deus, e Alá) que oxalá perdure.
Posted by Eduardo Rivail Ribeiro at 9:06 PM
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Saturday, October 6, 2007
De missionários -- religiosos ou não
Um dos assuntos mais recorrentes na lista Etnolingüística, missionários em aldeias indígenas, está de volta. O pior sinal da trivialização de um tema está no uso de palavras-de-ordem, em vez de argumentos (o que, infelizmente, tem sido comum agora, como antes). Isto me força a começar este blog com um tema que considero cansativo.
Devo esclarecer que não sou religioso. Embora eu me considere, na medida do possível, um católico bom (com doses de kardecismo e pitadas de animismo, além de uma colheradinha de hinduísmo), jamais me qualificaria como um bom católico. Os que me conhecem saberão de minhas objeções à atuação missionária. Mas acho que concentrar a artilharia contra os missionários acaba por obscurecer a atribuição de culpas.
É, de fato, lamentável que, em certas ocasiões, missionários acabem ocupando um vácuo deixado pela ineficiência do poder público, de tal forma que o assistencialismo que exercem acabe se tornando mais um objeto de barganha na conquista de almas. Mas, se há um vácuo, é um resultado da ineficiência crônica do Estado -- e tal ineficiência não muda, quer sejamos governados por ex-coroinhas ou por ex-ateus.
Outro vácuo ocupado pelos missionários, no passado recente, é exatamente o do estudo das línguas indígenas. Entre outros motivos, isto resultou da falta de eficiência (e de interesse) das nossas instituições acadêmicas. Com pouquíssimas exceções, nossos intelectuais (até pelo menos a primeira metade do século passado) demonstravam muito pouco interesse pelo índio vivo, de carne e osso -- em vez disso, dedicavam-se avidamente aos índios dos livros de história, enquanto seguiam com servidão as teorias da moda (algo soa familiar, não?).
Basta, por enquanto, um exemplo sintomático. Na primeira metade do século passado, enquanto Pompeu Sobrinho (1947, PDF), um dedicado estudioso dos antigos Tapuya do domínio holandês, imaginava extinta a tribo dos Karirí, os últimos falantes da língua ainda viviam; segundo Bandeira (1972), os últimos "cortadores de língua" (ou seja, os que a falavam fluentemente) teriam falecido na década de 1960 -- estando vivos, portanto, quando da visita de Métraux (1951), que coletou um pequeno vocabulário. Este é um exemplo de uma oportunidade perdida (a de documentar, com meios modernos, uma língua em vias de extinção) e de uma tendência infelizmente comum: a de se ignorar o índio real em proveito do índio ideal.