Friday, October 12, 2007

"Palavras muito usadas não têm som alterado" [sic]

Este é o título de uma nota publicada ontem no Estadão (divulgada no Jornal da Ciência). A começar pelo título, a matéria dá a parecer que um estudo publicado agora na revista Nature teria concluído que "quanto mais uma palavra é usada, menos o som que a representa muda". Para qualquer um que aprendeu na escola que vossa mercê veio dar no português você (e, no português coloquial, simplesmente ), o texto do Estadão seria de encabular.

Lendo o resto da nota, porém, percebe-se que parece haver uma confusão entre a alteração da forma fonológica de uma palavra e a sua substituição por outra. Palavras de alta freqüência tendem a ser substituídas com menos freqüência. Mas mudam sim, e muito -- a ponto de se tornarem irreconhecíveis. Pode-se dizer, aliás, que quanto mais uma palavra é usada, mais sujeita é a simplificação (ou erosão) fonológica, como ilustrado pelo exemplo mencionado acima (vossa mercê > você > ).

Um exemplo clássico nos estudos do Indo-Europeu (para citar uma das palavras mencionadas na matéria) é a palavra armênia para "dois", erku, que é -- ainda que não pareça -- cognata com duo em latim e, claro, dois em português (vide Antoine Meillet, The Comparative Method in Historical Linguistics, 1967, p. 18). E, no tronco Macro-Jê, um morfema derivacional extremamente produtivo, que deriva nomes "de agente", é preservado em pelo menos duas famílias (Jê e Karajá), mas as semelhanças fonológicas são, à primeira vista, difíceis de se detectar (Karajá -du, Xerente -kwa).

Se isto é tudo, o estudo, então, não chega a nenhuma novidade bombástica. A idéia de que há partes do vocabulário que são mais estáveis (ou seja, são substituídas menos rapidamente que outras) é a razão que subjaz, entre outras, à lista de Swadesh, na qual muitos se baseiam para diagnósticos (preliminares que sejam) de parentesco e de profundidade temporal de famílias lingüísticas.

"Milestone"


An Associated Press article about this study doesn't do much better in terms of explaining the findings, and it seems to exaggerate their significance even more:
"Scientists have uncovered what might be called the law of language evolution: the more a word is used, the less likely it is to change over time. [...] [I]f [the study] also holds for other languages, it would be a milestone in understanding one of humanity's defining attributes."

Milestone? Well, for linguists, this seems to have been textbook wisdom for a while now. As a (former) journalist, I understand the media's attempts to make Sci & Tech news more exciting to the general public. But, as a linguist, I find the truth of the facts exciting enough.